Como a inteligência organizacional influencia líderes e times?
Autogerenciamento e auto-organização são bases para times ágeis, se uma empresa já inicia na agilidade (muitas startups começaram já assim) e com uma liderança alinhada á esses princípios é fácil conseguir construir times com essas características. O maior desafio vem quando já temos uma cultura enraizada na empresa e temos que transformar as equipes em times ágeis.
Não muda nada na rotina dos times quando o líder simplesmente verbaliza que “a partir de segunda-feira seremos times ágeis, vocês terão liberdade para se organizarem e gerenciarem e eu estarei aqui para apoiá-los“. É, com certeza, um discurso bonito, inspirador e um primeiro passo, mas na prática precisamos de mais.
Liberdade não é autonomia
Eu já ouvi esse discurso algumas vezes e depois de umas semanas os líderes desses times me procuravam porque, apesar deles estarem dispostos a mudar o estilo de liderança e dar mais liberdade e autonomia no time, no dia a dia ele ainda tinha que ficar indicando para os membros da equipe qual o próximo trabalho a ser feito, ele ainda tinha que dar o “ok” para tudo antes de liberar a demanda, qualquer dúvida que existia, por mais que o time já soubesse da resposta, eles ainda iam buscar pela confirmação com o líder.
Os membros dessas equipes estão tão condicionados a não ter uma autogestão e auto-organização, a não ter espaço de escolha, que o simples fato de anunciar essa liberdade não muda o padrão de pensamento, que é inerente a cultura em que eles estão inseridos. Sim, estão inseridos, afinal de contas, a cultura não muda só pelo discurso de um ou outro líder. Mesmo que todos estejam dispostos a mudar, nós tendemos a repetir padrões anteriores, que acabam reforçando o nosso status quo.
Para ilustrar como esse comportamento é forte, eu cheguei a presenciar situação em que, a liderança e os clientes queriam mais autonomia da equipe produtiva, ao ponto dos clientes diretamente chegarem aos membros da equipe e pedirem a opinião deles e a reação do time foi de paralisia. Eles não sabiam o que opinar, o que responder, eles não estavam preparados para aquele tipo de abertura.
Engano nosso pensar que discursos mudam uma cultura, que ideias verbalizadas farão a diferença no dia a dia. Ideias e discursos servem como gatilhos, mas se não existir pólvora e munição, nunca vamos atingir nossos alvos e em uma transformação, nossas “pólvoras” e “munições” são as atitudes e práticas, que precisam refletir no discurso.
Ambiente a “prova de falhas”
A autogestão e auto-organização trazem consigo a responsabilidade das escolhas e aqui está o que eu considero ser o maior destruidor desses princípios, se focar apenas neles.
Dar abertura é um passo, mas sozinha a abertura não reduz o receio das consequências que esse time vai ter, caso tome uma decisão que se mostre falha, entre um ambiente onde eu só faço o que mandam e caso algo der errado a culpa é de quem mandou e um ambiente onde eu faço minhas escolhas mas a corda vai quebrar para o meu lado quando eu errar, obviamente a escolha seria a primeira.
Quando atacamos a autonomia das equipes apenas pela perspectiva da autonomia, estamos na verdade dando corda para a equipe se enforcar, dar poder de decisão e escolha para um time que continua tendo acesso às mesma informações que tinham antes e inseridos em um ambiente punitivo quanto aos erros, é a receita ideal para aumentar o stress da equipe e ser a ignição dos conflitos.
Pense comigo…
Você é uma pessoa com dinheiro sobrando e busca por um especialista em investimentos para investir o seu dinheiro. O especialista tem acesso às informações necessárias para saber onde melhor investir para maximizar o retorno do investimento, além disso ele conhece os riscos dos mercados e vai tomar todas as medidas necessárias para minimizar as perdas de investimento.
Agora, pense que de uma hora para outra o seu especialista em investimentos não vai mais cuidar da sua carteira de investimentos e você não tem outra opção a não ser a de investir sozinho.
Você não tem acesso (nem conhecimento) para saber qual o melhor investimento a ser feito, muito menos conhece do mercado para entender os riscos de tomar uma decisão. O seu nível de stress aumenta e a cada decisão tomada o risco de perder é bem mais alto.
É exatamente isso que fazemos quando viramos para um time e damos liberdade para ele, se não atacarmos outras frentes, o que estamos fazendo com esse time é simplesmente colocando eles em um alto nível de stress.
Para influenciar positivamente esse times, temos que reduzir esse stress que a auto-organização traz consigo, para isso eu utilizo duas abordagens que podem ajudar:
1-Uma delas é o acesso à informação. Assim como no exemplo do especialista em investimentos, precisamos transmitir para o time o máximo de insumos necessários para que eles tomem decisões mais assertivas. Seja o acesso a métricas, o acesso a pessoas chaves de conhecimentos de apoio ao negócios ou qualquer outro tipo de insumo que o líder utilizava para basear sua tomada de decisão.
Por mais simples que isso pareça, não é algo fácil, porque cada contexto é único e não existe um padrão comum a todos, o mais comum que eu vejo acontecendo é que os líderes utilizam do seu conhecimento do negócio como um todo para embasar sua tomada de decisão e essa inteligência organizacional, como qualquer outra soft skill, é algo que é fácil de ser ensinada mas difícil de ser aprendida.
2-A outra abordagem é a da criação de um “ambiente a prova de falhas”, que em resumo seria a implementação de práticas que minimizem a culpabilização do responsável pelo erro e maximizem o aprendizado baseado nos erros cometidos. Aqui podemos usar técnicas como bull’s-eye para mapeamento de risco, ou até mesmo uma abordagem Lean para redução de defeitos (um dos 8 tipos de desperdícios Lean).
Essas são as duas abordagens que eu mais utilizo quando abordo a auto-organização e autogerenciamento de times, mas não se engane, é um trabalho longo pois são princípios que afetam diretamente a cultura organizacional e qualquer mudança cultural leva-se tempo para se consolidar.