Lições ágeis que aprendi com a Volvo
“Eu não conheço nada melhor do que Agile. Eu não escuto nada melhor do que Agile. Eu não vejo nada melhor do que Agile vindo no futuro. Eu acredito que Agile é o caminho a se seguir.” – Anna Sandberg, Head de Melhoria Contínua & Mudança na Volvo Cars
Como aplicar Agile em uma indústria com ciclos muito rígidos em seus calendários como é a indústria automotiva? O próximo modelo deve ser lançado na data certa, aconteça o que acontecer. Está decidido, a data é fixa e vai acontecer.
Foi sobre isso que @Steven Denning, contribuidor sênior de liderança estratégica da @Forbes conversou com @Anna Sandberg, Head de Melhoria Contínua & Mudança na Criação de Produtos da @Volvo Cars.
Você pode ver a conversa completa no artigo Why And How Volvo Embraces Agile At Scale e aqui vou trazer as principais lições que eu aprendi com a Volvo aplicando ágil em uma área aparentemente incomum como a produção automotiva.
Qual a relação entre Agile e produção automotiva?
- Quando vemos cases de implementação ágil em áreas como desenvolvimento de software, marketing, vendas e recursos humanos já não nos surpreendemos, e foi exatamente a área de desenvolvimento de software que abriu as portas para o ágil na Volvo Cars – me parece que essa é a principal porta de entrada de uma cultura ágil dentro das empresas. Foi em setembro de 2017 que Anna assumiu esse desafio e bastou apenas seis meses para que o escopo se expandisse para toda a produção, do hardware ao software.
A Volvo entendeu que os carros se transformaram em “computadores sobre rodas” e nada melhor do que utilizar métodos e metodologias que nasceram dentro do contexto de software para passar a gerir as demandas desses “computadores sobre rodas”.
A jornada até o Volvo Cars Agile Framework
Depois de uma longa análise de frameworks de escalabilidade, os executivos da Volvo escolheram o Scaled Agile Framework – SAFe como base para sua implementação.
O SAFe é, de longe, um dos frameworks ágeis mais completos que eu já encontrei e mais complexos de entender toda sua abrangência. E justamente por essa natureza, é muito desafiador gerir uma implementação SAFe sem o alinhamento executivo.
Ao contrário de outros frameworks que focam na execução, o SAFe traz camadas de abstração para níveis estratégicos e gerenciamento de portfólio.
Uma analogia que eu particularmente gosto bastante no SAFe é a analogia do trem. Em uma cultura ágil o valor de Melhoria Contínua está sempre presente e este valor geralmente se reflete na prática como interações. Iterações são, nada mais que períodos de tempo definido (que costumam várias de semanas até as vezes poucos meses) onde existe uma melhora incremental do produto em questão. A cada interação trabalhamos no produto para que ele saia melhorado no final do tempo definido e quando aplicamos essa prática em larga escala o problema de sincronia aparece logo de cara!
Em grandes empresas, ou grandes produtos precisamos de diversos times, trabalhando em diversas frentes do mesmo produto, e em algum momento precisamos unir esse trabalho todo, a final de contas o produto é um só. Se temos diversas equipes trabalhando em interações independentes, com durações distintas, fica muito desafiador gerar essa integração.
A solução proposta pelo SAFe é a metáfora do lançamento de trens:
•De forma simplificada, pense em um trem sendo um produto complexo, formado por diversos vagões que são na verdade times trabalhando em paralelo para um mesmo produto. Dessa forma, como todos os vagões do trem tem o mesmo tamanho, a duração das interações dessas equipes também serão iguais. Assim como um trem sai da plataforma com todos os vagões atrelados a ele ao mesmo tempo, o início e fim das interações são sincronizadas entre as equipes.
Através dessa metáfora de lançar um trem, o SAFe resolve esse desafio de sincronia de interações, e de acordo com Anna, na época em que escreveram o artigo na Forbes, a Volvo tinha 70 unidades todas sincronizadas, fazendo seus planejamentos nos mesmos dia e hora, em semanas previamente combinadas.
E como tudo deve se adaptar, a Volvo evoluiu e adaptou o SAFe para o contexto automotivo, chamando essa evolução de Volvo Cars Agile Framework.
Agile o novo jargão
Me chamou a atenção que a palavra “Agile” dentro da Volvo mudou de uma palavra negativa para uma palavra aceitada para explicar o que estamos fazendo.
“(…) Não é mais controversa, mas ainda temos pessoas que não entenderam ou são exitantes para explicar o que fazem (…) ” – Anna Sandberg.
Eu me identifiquei muito com esse trecho especialmente por ter vivido isso nas transformações em que participei. Eu já cheguei a pedir para os profissionais que estavam trabalhando comigo nas transformações a evitar a palavra “agile” por um tempo, porque ela estava sendo mal interpretada e gerando resistência logo no início.
Qualquer reunião com a palavra “agile” no título acabava sendo vista de antemão como uma reunião lúdica ou “mais uma reunião para falar de coisas que não nos interessa”.
Ao estudar gerenciamento de mudanças, fica claro por que isso acontece. Sempre que existe uma mudança acontecendo, nós passamos por um período parecido com o luto e um dos processos que acontecem é o de resistência, onde os indivíduos começam a procurar por falhas ou até mesmo questionar a eficiência da mudança.
Esse tipo de comportamento é comum, não apenas em uma jornada de transformação ágil, mas em qualquer transformação que envolva pessoas. Existem
algumas estratégias que podemos abordar para superar esse tipo de comportamento. Eu exploro melhor essas técnicas no artigo Os estágios do luto em uma Transformação Digital mas uma das abordagem pode até ser retirar o “gatilho de resistência” por um tempo, até que os indivíduos evoluam no processo de “luto”.
Treinamento é essencial, mas não é tudo
A Volvo gastou mais de 150.000 horas de trabalho em diferentes aspectos Agile e mais de 2000 lideres em SAFe. São números impressionantes e um investimento enorme no desenvolvimento desses profissionais e o que mais me chama a atenção é o número de líderes que fizeram parte dessa onda de educação.
Agile deve ser implementado de forma bottom-up (a mudança sendo fomentada pela produção e ai alcançar a liderança) ou top-down (vir da liderança como um direcionamento para a produção)? Eu defendo que deve vir de ambos os lados!
Não adianta focarmos em treinar e capacipar a produção, se os líderes não estão alinhados à essa estratégia, assim como não adianta tornar esses líderes grandes ‘advocates’ agile se a produção não vê valor nessa transformação.
Eu considero uma transformação eficaz quando os agentes de mudança olham para ambos os lados, independentemente de onde surgiu a iniciativa.
Ainda mais quando falamos de uma implementação SAFe onde é essencial um alinhamento da liderança e da produção, eu não consigo enxergar um outro caminho de sucesso. Mesmo a Anna tendo comentado que por muito tempo foi uma iniciativa bottom-up a Volvo aparentemente percebeu a necessidade de criar estratégias top-down que estão expressas nesses números.
Eu iniciei minha carreira como Agile Coach dando treinamentos para as equipes e passei um tempo considerável focando em capacitação de times. Hoje, fazendo uma retrospectiva, percebo que não foi a melhor estratégia me focar tanto em treinamento por tanto tempo. O treinamento formal de times é sim essencial, mas se ele acontece sem ter atrelado outras estratégias de transformação a mensagem que fica é a de que agile só funciona na teoria.
“O desafio é desbloquear o pontencial das equipes. Nós vimos cedo que os times precisam ser empoderados e responsáveis…”, empoderamentoe responsabilidade necessitam de uma base teórica mas não se constrõem em sala de aula. Quando existe um balanço em teoria e prática em uma transformação ágil, vejo sim um grande potencial de sucesso.
O fim de uma jornada
Eu já me peguei em várias discussões sobre quando passamos a ser agile. Quando termina uma transformação ou até mesmo quando sabemos que mudamos de fase na transformação? Essas respostas são desafiadoras de serem dadas, afinal de contas uma transformação ágil é gradual e essas evoluções se misturam entre si e quando olhamos de fora, não é claro quando uma coisa termina e outra começa, ainda mais se estamos no meio da transformação, seria como tentar entender um incêndio enquanto ele está acontecendo.
Essas respostas são um pouco mais fáceis de responder quando olhamos para o passado. Assim, conseguimos entender onde estávamos e onde chegamos e quem sabe conseguimos identificar marcos nessa transformação.
Agora, existe uma estratégia que podemos tomar para identificar mais facilmente a mudança de etapas de uma transformação ou até mesmo enxergar o fim de uma e a estratégia é simplesmente estabelecer objetivos para a jornada. Se entrarmos em acordo, logo no início, de onde queremos chegar e principalmente, o que precisamos ver acontecendo para saber que chegamos lá, ai é só uma questão de observar esses indicadores e apontar onde estamos.
Isso significa que a transformação chegou no fim? Não! Afinal de contas, parte do processo de transformação é realizar uma manutenção cultural, garantindo que a maturidade adquirida não regrida com o tempo e isso é um trabalho contínuo.
Dentro da Volvo, os objetivos deles eram velocidade, capacidade de resposta e qualidade. A indústria automotiva passa por significantes transformações que são fomentadas por mudanças nos comportamentos de compra, tecnologia e transformações digitais. Segundo Anna, a Volvo terminou oficialmente a sua fase básica de transformação ágil em dezembro de 2019, pouco mais de dois anos de trabalho, treinamentos e mudanças. Atente-se que levou 2 anos para terminar o básico de uma transformação ágil! Isso significa que o trabalho terminou? Com certeza não!
O que levou a Volvo a considerar que houve uma mudança de fase na transformação, tendo concluído o que eles chamaram de básico de uma transformação ágil eu não sei dizer. Provavelmente isso está diretamente relacionado a terem atingido os objetivos principais atrelados a transformação ou até mesmo uma melhoria expressiva nos seus indicadores.
A minha opinião pessoal de quando terminaria uma transformação ágil é que ela só teria um fim quando a cultura da empresa expressasse em todos seus níveis e áreas do conhecimento os valores e princípios ágeis através de práticas e também uma cultura de melhoria contínua intrínseca, onde não é mais necessário que agentes especializados em transformação tenham que agir para tirar as equipes de suas zonas de conforto para evoluir, deve ser algo natural e estar no DNA da empresa. Para mim, a partir daí você tem uma cultura ágil implementada e começa em uma fase de manutenção cultural, apenas para atualização e melhorias mais expressivas conforme necessário.
Se a Volvo levou pouco mais de 2 anos para terminar sua fase inicial de transformação ágil, quanto tempo vocês acreditam que levaria para atingir o que eu considero o fim de uma transformação ágil?
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Após entender todo esse processo de transformação da Volvo Cars, fica mais evidente que Agile tem muito mais potencial do que apenas para desenvolvimento de software! Cada indústria, cada contexto trás seus desafios únicos para o jogo e o Ágil é flexível o suficiente para resolver cada uma dessas particularidades.